O desmonte da estrutura de proteção aos trabalhadores brasileiros

A Constituição da República Federativa do Brasil, promulgada em 1988, a denominada “constituição cidadã”, no Capítulo dos Direitos Sociais, em especial no artigo 7º, consagrou os direitos dos trabalhadores urbanos e rurais assegurados pela Consolidação das Leis do Trabalho, além de outros direitos que visem à melhoria de sua condição social. Da mesma forma, o artigo 8º da CF, que tratou da organização sindical, assegurou, entre outros, o princípio da liberdade e autonomia sindicais, vedando ao Poder Público a interferência e a intervenção na organização sindical.

Ocorre que diversos princípios outorgados pela Constituição, por omissão legislativa e ausência de provocação sindical, não foram tempestivamente regulamentados, nem o movimento sindical tomou a iniciativa de se autorregulamentar,  propiciando, assim, a interveniência do Estado, diante do vácuo legislativo.
No campo sindical, por exemplo, o Supremo Tribunal Federal baixou a Súmula nº 677, atribuindo ao Ministério do Trabalho o registro das entidades sindicais e zelar pelo princípio da unicidade sindical, até que a lei defina a autoridade competente para tal; editou a Súmula nº 666, fixando que a Contribuição Confederativa somente fosse exigida dos filiados ao respectivo sindicato; o Ministério do Trabalho e Emprego, através de Portarias, passou a intervir na organização sindical. Ex. Portaria 186 (admite a pluralidade nas entidades de grau superior), portaria 326 (burocratiza o registro e alterações estatutárias); o Ministério Público do Trabalho se insurge contra o custeio das entidades, intervém nas eleições sindicais, criando, inclusive, a Coordenadoria Nacional de Promoção da Liberdade Sindical-CONALIS.
Mais recente, o Presidente Michel Temer e seus colaboradores de confiança,  angustiados e sufocados por intensa onda de acusações de corrupção, numa tentativa de salvar a governabilidade do País, enviaram ao Congresso Nacional as famigeradas propostas de reformas trabalhista e previdenciária. A última, felizmente, está travada na Câmara dos Deputados, entretanto, a primeira, que, segundo o governo Temer e os empresários, “visa adequar a legislação trabalhista em vigor às novas relações de trabalho”, na verdade, propõe um verdadeiro desmonte da estrutura de proteção aos direitos dos trabalhadores.
A proposta original vinda do Poder Executivo tratava apenas de 7 modificações, porém, após intensas tratativas de bastidores com a assessoria empresarial e principalmente com juízes auxiliares do Presidente do Tribunal Superior do Trabalho, o Relator do Projeto acolheu sugestões que modificam cerca de 200 dispositivos da Consolidação das Leis do Trabalho – CLT, além de rever pontos de outras leis, inclusive derrubando súmulas favoráveis ao trabalhador.

RETIRADA DE DIREITOS DOS TRABALHADORES – O projeto em análise, caso aprovado, provocará forte impacto negativo na vida dos TRABALHADORES, entre outros:

a)revoga o princípio que protege o trabalhador perante o empregador, segundo o qual a lei deve ser interpretada protegendo a parte mais fraca na relação empregado e empregador; b)autoriza o rebaixamento de direitos, através do princípio da prevalência do negociado sobre o legislado; c)amplia as espécies de contratações atípicas, como trabalho por tempo parcial, trabalho autônomo; e)institui a modalidade de trabalho intermitente, modelo já fracassado na Europa, pelo qual o trabalhador será remunerado somente pelas horas efetivamente trabalhadas, permanecendo a disposição da empresa, aguardando chamada, mas sem nenhuma remuneração; f)amplia a terceirização para qualquer atividade da empresa, inclusive na atividade-fim da tomadora de serviços.

O ENFRAQUECIMENTO DA JUSTIÇA DO TRABALHO – A proposta de substitutivo do relator ao projeto do Executivo introduz restrições à atuação e ao poder normativo da JUSTIÇA DO TRABALHO, dificultando o acesso do trabalhador, pois restringe a assistência judiciária, cria a figura da ação trabalhista por má-fé, retira a prerrogativa do Juiz ou do Presidente do Tribunal de promover a execução de ofício, desde que as partes estejam representadas por advogado, revoga o procedimento de uniformização da jurisprudência dos Tribunais Regionais do Trabalho e nos contratos individuais de trabalho, cuja remuneração seja superior a duas vezes o valor máximo pago pela Previdência Social,  poderá ser pactuada cláusula compromissória de arbitragem.

DESMONTE DA ORGANIZAÇÃO SINDICAL – Desmonta por completo o princípio constitucional, segundo o qual “Ao sindicato cabe a defesa dos direitos e interesses coletivos ou individuais da categoria, inclusive em questões judiciais ou administrativas”, senão vejamos:

a)      Cria o trabalhador hipersuficiente, ou seja, o empregado que perceber remuneração superior a 2 vezes o teto previdenciário ou possua diploma de nível superior dispensa a defesa do sindicato, podendo negociar diretamente com a empresa;

b)      A rescisão do contrato de trabalho pode ser realizada diretamente entre empregado e empregador, dispensando-se a exigência da assistência sindical;

c)       A jornada de trabalho poderá ser flexibilizada através realização de horas extras, compensação de jornada, inclusive banco de horas, mediante acordo individual de trabalho, sem a intermediação sindical;

d)       Elimina o custeio das entidades sindicais, visando, justamente enfraquecer o instrumento reivindicatório dos trabalhadores. Sem uma fonte de custeio, evidentemente, as entidades sindicais não poderão exercer sua representação. Soa incoerente dizer que a negociação coletiva prevalecendo sobre a lei fortalece o sindicato, se por outro lado se retiram os recursos para a entidade laboral negociar em igualdade de condições com o patronato;

e)      Possibilita despedida coletiva, sem prévia negociação com o sindicato;

f)       Cria, na prática, o sindicato por empresa, ao estabelecer, por comissão,  a representação no local de trabalho nas empresas com mais de 200 empregados, sem a participação do sindicato da categoria e com prerrogativas de representar os trabalhadores na mesma forma da entidade sindical.

Conclui-se, portanto, companheiros, que o projeto de reforma trabalhista, caso aprovado, resultará em drástica redução de direitos trabalhistas e no desmantelamento do sistema de relações de trabalho, que vigora no País há mais de cem anos.

CABE, AGORA, AO MOVIMENTO SINDICAL E À SOCIEDADE EM GERAL LUTAREM DENODADAMENTE JUNTO AO CONGRESSO NACIONAL NO SENTIDO DE SE REJEITAR ESSE FAMIGERADO PROJETO DE REFORMA TRABALHISTA.

A NECESSIDADE DA AUTOREGULAÇÃO SINDICAL – É chegada a hora do movimento sindical chamar para si a responsabilidade de eliminar as muitas falhas e brechas que permitem a qualquer bando mal intencionado criar ou dominar sindicatos como se propriedades suas fossem.
No Brasil hoje se cria e registra, com toda facilidade, sindicato de categoria com dezenas de milhares trabalhadores, cuja assembleia de fundação só existiu no papel ou reuniu apenas dez a vinte pessoas, muitas delas com carteiras de trabalho “esquentadas”.
Da mesma forma, não haverá sindicato imune à sanha de dirigentes desonestos enquanto estes puderem agir sob estatutos escritos a seu bel prazer. É inadmissível que existam entidades sindicais com estatutos que dificultam ao máximo a realização de eleições limpas, impedem o controle transparente das contas, distanciam os trabalhadores das decisões e, ao mesmo tempo, facilitam a propagação de males como o peleguismo, o patrimonialismo, o nepotismo, o aparelhamento partidário e tantas outras formas negativas, e até mesmo criminosas, de desvio da finalidade sindical.
Para mudar essa situação há várias propostas circulando. Há quem proponha que basta acabar com as contribuições sindicais obrigatórias e instituir a pluralidade sindical plena para que desapareçam do mapa os sindicatos de fachada e só os puros de espírito se apresentem para representar os trabalhadores.
Ciente de que quase nada de proveitoso se tira das propostas que tentam impor de fora para dentro uma reforma capaz de fazer prevalecer na criação e gestão dos sindicatos os princípios da moralidade e da transparência, sem prejuízo da missão fundamental de organizar, conscientizar, mobilizar, representar e prestar serviços aos trabalhadores, estamos aceitando o desafio de formular e debater com os companheiros do movimento sindical um modelo de autoregulamentação capaz de resgatar a imagem do sindicalismo perante a sociedade brasileira.

Como já expusemos em outro trabalho de nossa lavra, defendemos os seguintes princípios  reguladores da organização sindical em nosso País:
A autoregulamentação, dentro do verdadeiro espírito da liberdade e autonomia sindical prevista na Constituição de 88, e até hoje ainda não respeitada em sua essência, impõe a criação de um órgão autoregulador bipartite desvinculado do Governo, formado e comandado exclusivamente por representantes das Centrais Sindicais, Confederações de Trabalhadores e Confederações Patronais.
O órgão autoregulador deverá assumir todas as tarefas e atribuições hoje de competência do MTE nas questões de registro sindical. Será de sua responsabilidade atualizar e revisar o quadro de atividades e profissões a que se refere o artigo 577 da Consolidação das Leis do Trabalho.
Poderá o órgão autoregulador também cassar o registro de entidades que não atendam a critérios mínimos de representatividade ou de comprovação do cumprimento das atividades sindicais básicas, tais como a negociação coletiva ou a prestação de assistência jurídica trabalhista, entre outras.
Sem prejuízo das especificidades de cada categoria, o órgão autoregulador deverá formular e fazer cumprir um conjunto mínimo de normas estatutárias padronizadas, válidas para todos os sindicatos, federações, confederações e centrais, tanto laborais quanto patronais, fixando regras que democratizem os processos eleitorais, garantam transparência no controle das contas, estabeleçam limites máximos para a duração de mandatos e assegurem a participação efetiva da categoria na tomada das decisões mais importantes.

*Vicente da Silva é presidente da Federação dos Empregados no Comércio do Estado do Paraná e vice presidente da Confederação Nacional dos Trabalhadores  no Comércio.